Maria Regina Paiva Duarte

Teto de gastos: ganho para ricos e penúria para pobres

Por Maria Regina Paiva Duarte
Auditora fiscal aposentada, vice-presidente do Instituto Justiça Fiscal e da coordenação da campanha Tributar os Super-Ricos

Instituído em 2016, o teto de gastos ganhou contornos dramáticos nos últimos 30 dias por conta da reação do mercado, dos grandes conglomerados e especuladores financeiros que não admitem perder privilégios. Dizem que o teto de gastos não pode acabar, que o governo não pode gastar mais do que arrecada e que, gastando, haverá desequilíbrio tão grande que o Estado não poderá honrar pagamentos.

O Brasil é o único país a constitucionalizar esse limite. É uma regra que não está funcionando e que deveria ser extinta. Na época da aprovação no Congresso, foi chamada de PEC da morte. Ela é dramática, sim: paralisa investimentos sociais por 20 anos! Funciona para diminuir a atuação do Estado em áreas da saúde e educação, entre outras.

O teto de gastos foi criado logo após o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff para _ ao que tudo indica _ atender a elite financeira que sempre quer mais recursos do Estado, retirando dos mais vulneráveis que precisam de políticas sociais. Uma regra que limita despesas públicas à inflação do ano anterior, exceto pagamento de juros e amortização da dívida pública, para, em tese ajustar o chamado déficit fiscal. Convém lembrar que o chamado descontrole de gastos, especialmente o referido ao governo Dilma, nunca ocorreu, e que a piora na situação fiscal a partir de 2014 foi causada principalmente pela perda de receitas e não pelos gastos. Também não se pode afirmar que os gastos foram os principais responsáveis pelo crescimento da dívida pública, mas sim o pagamento de juros elevados. Até 2013, o crescimento das receitas era maior que o dos gastos, o que possibilitava combinação de aumento do gasto público, geração de superavit primário e diminuição da dívida pública líquida.

Mesmo que a celeuma do teto tenha se agravado pela PEC da Transição, é importante lembrar que o atual governo - entre 2019 e 2022 -, ultrapassou o limite constitucional em quase R$ 800 bilhões! O teto já havia sido furado em 2019 e continuou sendo ultrapassado após a fase crítica da pandemia.

Não se discute a eventual necessidade de extrapolar o limite do teto. Afinal, o pagamento do auxílio emergencial foi importante do ponto de vista social, humanitário e econômico. Não fosse ele, o PIB teria uma queda bem mais expressiva em 2020. O drama é a consequência devastadora do teto impactando nos serviços públicos que atingem a população que mais precisa do Estado. Não leva em conta excepcionalidades, sequer considera o crescimento populacional, aumento de receita, variação do PIB ou crescimento econômico.

O Estado fica praticamente proibido de atuar como deveria. Justamente em momento de necessidade, de crise econômica ou sanitária. É impedido por uma regra anacrônica, draconiana e perversa. Precisa ser extinta, trocada por outro mecanismo que dê condições de planejamento. O teto gera competição entre as despesas e investimentos e serve de sofisma para atingir áreas essenciais, como aconteceu esta semana quando o governo retirou mais de R$ 1 bilhão da educação.

Há outra revelação importante. Seguindo essa lógica de limitação do Estado via gastos públicos, a possibilidade de arrecadar mais, cobrar mais tributos, especialmente dos mais ricos, também fica afastada. A solução apresentada é cortar gastos, como se o problema fosse exclusivamente de gastos, não de receitas.

É preciso incrementar receitas públicas via tributação. Como disse o presidente eleito, precisamos colocar o rico no Imposto de Renda e o pobre no orçamento. Tributar lucros e dividendos, corrigir a tabela do Imposto de Renda, implementar o Imposto sobre Grandes Fortunas, criar contribuição sobre altas rendas. Enfim, há várias medidas que podem ser implementadas para aumentar as receitas de forma justa, como mostra a campanha Tributar os Super-Ricos.​

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